quarta-feira, 21 de julho de 2010

Rotina

Todos os amigos, parentes e demais conhecidos eram unânimes: o Otávio era um grande cara, desses difíceis de encontrar por aí. Íntegro, trabalhador, bem humorado, compenetrado... Não faltavam adjetivos para definir o quanto ele era relevante naquilo que fazia.

No entanto, tão unânimes quanto as impressões à respeito do caráter e da competência do Otávio, eram também as preocupações quanto aquele que todos consideravam ser o grande defeito de sua personalidade: seu amor pela rotina.

O Otávio era obcecado em manter seu dia-a-dia com o mínimo de alterações possíveis. Para convencê-lo a passar no bar e bater um papo com os amigos antes de seguir para casa e ler o seu livro, dava trabalho. Ele alegava que tinha “muito a fazer”, e que sempre estava num capítulo importante de sua leitura.

Quando aceitava permanecer reunido com os amigos, era visível seu incômodo: ficava olhando sistematicamente para o relógio com cara de preocupado. Os mais observadores diziam que a cada minuto que passava era possível enxergar mais gotas de suor se formarem em sua testa, reação que eles creditavam ao medo que sentia de atrasar seus afazeres cotidianos. Quando decidia ir embora, sempre pouco tempo depois de ter chegado, se despedia apressado e corria o mais rápido que podia para o seu carro a fim de chegar logo em casa e colocar sua rotina em ordem.

Mas um dia, quem diria, o Otávio apareceu voluntariamente no encontro dos amigos com uma loira a tiracolo. E que loira! Era quase um exemplar digno de bienal. Boquiabertos, os amigos tentavam criar uma teoria minimamente plausível para explicar como um cara tão ocupado em manter uma rotina tinha achado tempo para arranjar uma namorada como aquela. Em particular, o Otávio contou que a tinha conhecido na lavanderia, e que se apaixonaram na hora. E, pasmem: de tão encantado, chegou até a esquecer o que ia fazer. Ainda segundo ele, a moça tinha apresentado um novo sentido para sua vida, uma perspectiva que jamais tinha experimentado antes.

Sentenciou: dali em diante, seria um novo homem.

De fato o Otávio tinha mudado: participava das bebedeiras dos amigos, aparecia nas peladas com os colegas de trabalho, saía nos fins de semana para pescar com os vizinhos, levava a “loira da sua vida” para jantar em restaurantes finos... Mas algo parecia fora do lugar.

O Otávio não era mais o mesmo. Podia ser só a falta de hábito em não vê-lo mais olhando para o relógio a cada instante, mas algo definitivamente tinha mudado. Suas gargalhadas não eram mais intensas como antes, seus comentários já não despertavam mais a mesma simpatia dos colegas, suas teorias já não geravam debates tão acalorados. Parecia cansado. Parecia frio. Parecia triste.

As coisas só foram mudar dias depois, quando o Otávio chegou atrasado à confraternização semanal com os amigos. Pediu uma cerveja, e disse que ficaria “só um pouquinho”. Durante os minutos que permaneceu, anunciou que tinha terminado com a “loira da sua vida”, nem ele sabia explicar o porquê. Sabia dizer apenas que se sentia bem, e achava que tinha tomado a decisão certa. Despediu-se apressado, olhando para o relógio, dizendo que precisava chegar logo em casa para terminar o livro que estava lendo, com uma alegria que há muito não se via.

Os amigos, satisfeitos, sorriram. O Otávio finalmente tinha se reconciliado com seu grande e verdadeiro amor: a rotina.

As coisas tinham voltado a seu devido lugar.