terça-feira, 18 de maio de 2010

Devaneios empíricos sobre o futebol e suas vertentes supostamente filosóficas (D.E.S.F.S.V.S.F.) – Convocação


“Toda unanimidade é burra”


Nelson Rodrigues


-E a seleção, hein?

-Vergonha.

-Sete volantes... Sete!

-O Dunga tá de brincadeira.

-Ele está certo! Gostei da convocação.

Olhares repreensivos na roda de amigos, todos dirigidos ao Freitas, o corajoso rapaz que declarou seu apoio ao técnico da seleção. Não era todo dia que se encontrava um sujeito com culhões para bancar uma opinião tão impopular, ainda mais num debate entre várias pessoas. Além do mais, todo diálogo sobre técnico da seleção que se preze precisa ter comentários jocosos sobre a capacidade intelectual do dono do cargo. É quase uma lei.

Aliás, não era a primeira vez que o Freitas tinha feito algo do gênero. Seus antecedentes incluíam defesas acaloradas ao estilo de pilotagem do Rubinho Barrichello, para desespero e indignação dos colegas. Era o típico “homem polêmica”. Adorava discordar, embora ninguém soubesse dizer ao certo se era por ter de fato convicção do que dizia, ou apenas pra irritar os outros.

Ainda assim, resignados, pediram argumentos para sua defesa às escolhas do Dunga para a Copa.

-É um time competitivo. Tem jogadores que apesar de não serem brilhantes individualmente, se encaixam perfeitamente no estilo de jogo coletivo que o Dunga adotou.

-Papo furado. Quero ver você falar em “jogo coletivo” quando a gente tomar uma piaba de Portugal.

-Periga perder pra Coréia do Norte. – Disse o Tavinho, o mais radical do grupo.

-Não sejam exagerados. Essa seleção ganhou tudo o que disputou. Copa América, Copa das Confederações... Quer prova maior de que o Dunga está certo?

-Mais sorte do que juízo!

-Falta criatividade. Técnica. Se o Kaká se machucar, entra quem? Cadê o gênio do time?

-Não venha com este papo de gênio. Futebol é futebol. Einstein nunca jogou bola!

-Heresia! Heresia! E o Pelé?

-Calma... O que eu quero dizer é que futebol é resultado. Não adianta ter 10 malabaristas em campo, se o time não ganhar.

-Lá vem você com este papo de resultado. Futebol brasileiro é arte, amigo. Tem que ganhar e jogar bonito.

-Falou tudo. Taí 70 pra provar. Aquilo sim era seleção. Carlos Alberto, Gerson, Rivelino, Jairzinho, Pelé...

-Jogou bonito e ganhou. Argumenta com isso, agora.

-E 94, hein? Lembram-se de 94? No papel o time era horrível, mas foi campeão. Não é isso que interessa?

-Mas tinha o Romário!

-Bem lembrado. Romário era gênio. Só ele jogou.

-Pois é. Cadê o Romário do Dunga? Não tem!

-Não precisa. Nosso time é mais do que só um atacante. Nossa defesa é fantástica, a melhor do mundo.

-E desde quando o Brasil foi conhecido por ser bom na defesa, Freitas? Bota isso na cabeça: Brasil é ataque, é futebol bonito.

-Do que adianta atacar muito e perder? Quem fica na história é quem vence, seja jogando bonito ou não. Lembre de 94, e...

-Puta merda! Chega de 94! Você está transformando a exceção em regra.

-Eu renuncio a 94, tá ouvindo Freitas? Renuncio!

-Calma Tavinho, calma.

-Calma nada. Prefiro mil vezes perder no ataque, jogando bonito, vendo craques vestirem a amarelinha, do que este time de volantes que o Dunga montou. Juro pra você: prefiro a derrota. Se a seleção fosse um timaço e perdesse, eu ficaria orgulhoso. Mais orgulhoso do que se esta seleção mequetrefe for campeã.

-Concordo contigo.

-Muito bem, Tavinho. Disse tudo.

-Tem toda razão. Prefiro perder vendo o nosso talento em campo, do que ganhar jogando feio.

Foi aí que o Freitas, cansado de ser alvo do massacre, reagiu:

-E 82, hein? Falem de 82! Jogava bonito. Ganhou? Não. Ficaram orgulhosos? Ficaram felizes?

-Não fala de 82! Não fala de 82! – Gritou o Tavinho, furioso, enquanto tentava agarrar o pescoço do Freitas, até ser contido pelos demais colegas.

-Porra, Freitas! 82 é golpe baixo. Você não tem coração?

-Pegou pesado.

-Quanta maldade, meu Deus...

Chateados, os quatro amigos deixaram o Freitas, literalmente, falando sozinho. Afinal de contas, dar exemplos é uma coisa, mas cutucar traumas do passado já é apelação.