terça-feira, 8 de junho de 2010

Homenagem

De vez em quando o Nelson tinha umas ideias bizarras para agradar a Suelen, sua namorada. A da vez, na véspera do dia dos namorados, foi parar o carro numa estrada rural, isolada de qualquer ponto habitado, e pedir para que ela se deitasse olhando para o céu junto com ele. Acostumada com as invenções do rapaz, ela topou a proposta, mesmo depois de alguns protestos.

-Lindo este céu, né?

-O céu é um só, Nelson. Que diferença tem?

-É só reparar. Perceba o brilho das estrelas. É muito mais intenso, mais vivo, aqui no campo.

-A única coisa intensa aqui é a coceira que eu estou sentindo nas costas depois de deitar nesse monte de mato!

-É o contato com a natureza, amor!

-Não. É a alergia, mesmo. Vamos embora logo, vai?

-Daqui a pouco. Agora feche os olhos.

-O que é que você vai inventar, hein?

-É surpresa. Feche os olhos, por favor.

-Ok, ok...

-Já fechou?

-Uhum.

-Ok, então. Pode abrir os olhos agora.

-Tá, e daí?

-Não tá vendo minha mão apontando pra algum lugar?

-Tá apontando pra cima. O que há de interessante nisso?

-Ela não está apontando simplesmente “para cima”. Ela está indicando um ponto específico. Meu presente pra você!

-Presente?

-É... Presente! Tá vendo aquela estrela ali, amor?

-Qual delas?

-Aquela que meu dedo está apontando.

-Tem pelo menos dois milhões de estrelas na direção em que seu dedo está apontando, Nelson.

-É aquele ali, ó! Bem brilhante.

-Você não está se referindo à lua não, né?

-É claro que não, boba!

-Não tem como identificar, Nelson. Você está me achando com cara de astróloga?

-Ok, ok... Escolhe uma, então.

-Uma o quê?

-Uma estrela, é claro.

-Tá, mas pra quê?

-Pra te dar de presente!

-E como é que você vai me dar uma estrela de presente, Nelson?

-Dando, ué. O espaço é público. Ela será a nossa estrela.

-E pra que é que eu vou querer uma estrela, hein? Me explique!

-Ora... Pra ser nossa, ué. Nosso pontinho no céu. Para que, quando a gente estiver distante um do outro, possamos olhar para o alto e mirar no mesmo ponto do espaço.

-Mas pra que isso, afinal de contas?

-Pelo simbolismo! Será que você não vê? Pense só em como seria lindo se olhássemos para o mesmo lugar, ao mesmo tempo, mesmo estando longe. Tem coisa mais linda do que isso?

-Tem sim. Um presente decente no dia dos namorados, por exemplo.

-E qual é a poesia nisso?

-A mesma de olhar pra uma estrela no céu ao mesmo tempo: nenhuma!

-Você não está vendo o romantismo presente neste gesto? É uma homenagem ao nosso amor!

-Homenagem? Só se for à sua falta de noção.

-Mas amor...

-Me leva pra casa, vai.

O Nelson voltou pra casa frustrado. Afinal de contas, qual é a mulher no mundo que não adoraria ganhar uma estrela de presente no dia dos namorados? Concluiu que o romantismo estava em vias de extinção, e que homens como ele eram itens ultrapassados.

Por fim, percebendo que não havia meios de lutar contra esta nova tendência mundial, se rendeu ao “neorromantismo“ que ditava as relações afetivas humanas, e foi ao shopping escolher um presente mais “normal” para agradar a Suelen, ainda enfurecida por não ter ganhado nada no dia dos namorados.

Comprou um liquidificador.