quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O escritor

Os colegas de trabalho eram taxativos: o Alberto era uma figuraça. Bastava saírem juntos para uma confraternização qualquer, para que ele começasse a monopolizar as atenções falando de suas experiências como escritor. Sim, escritor: ninguém sabia dizer ao certo quando ou como tudo começou, mas de um dia pro outro ele chegou no trabalho anunciando a todos que tinha sido seduzido pela arte das palavras, e que iria se dedicar ao ofício de romancista nas horas vagas.

O que no começo parecia só mais uma das inúmeras invencionices passageiras do Alberto, foi se tornando uma coisa séria. Quase todos os dias ele chegava cedo só para relatar aos colegas, em detalhes, todos os meandros e tramas dos quatro romances diferentes que estava escrevendo simultaneamente.

-E então a Frida... Lembra da Frida, aquela personagem secundária que te falei ontem?

-Desculpe Alberto.Eu estava checando esses relatórios... Nem estava te ouvindo direito.

-Eu estava falando da Frida, a personagem do meu livro.

-Ah sim...

-Então... A Frida, repentinamente, vai descobrir que ela é uma androide assassina criada pelo governo da Coréia do Norte, e que tem como objetivo principal eliminar os Sete Ninjas Samurais Secretos.

-Humm...

-E então, a partir disso, ela passa a se questionar sobre sua natureza não humana... Se ela tem mesmo que seguir sua programação e matar os Sete Ninjas Samurais Secretos ou se ela deve resistir e fugir desta programação. Tá acompanhando meu raciocínio?

-Desculpe, Alberto. Estava falando comigo?

Os amigos ainda apostavam que cedo ou tarde o rapaz desistiria da literatura e arranjaria outro hobbie menos exótico, como videogame ou xadrez. Mas o Alberto estava levando tão a sério a novidade que já estava começando a se vangloriar de suas “habilidades literárias” com desconhecidos.

-Muito prazer, sou o Alberto. Bancário e escritor...

O choque de todos foi ainda maior quando certo dia ele não apareceu no trabalho pela manhã, e mandou um e-mail à tarde avisando a todos que tinha abandonado o emprego para se dedicar exclusivamente a sua carreira de escritor. Disse que jamais se esqueceria do apoio dos amigos, e que prometia mandar uma cópia autografada do seu primeiro livro para todos.

Uma pequena força tarefa formada por seus colegas se mobilizou para tentar dissuadir o Alberto da ideia de abandonar o emprego, mas não tiveram sucesso. Tudo o que conseguiram foi ouvir a revelação de que ele estava tão empolgado com os novos projetos, que tinha resolvido gastar todas as suas economias em viagens ao redor do mundo com o objetivo de conhecer culturas de outros países, e com isso, escrever romances baseados nos hábitos e na tradição de cada povo que visitasse. Já tinha até comprado a passagem. Iria começar pelo Iraque.


Depois de muitos meses sem qualquer tipo de notícia sobre seu paradeiro, um de seus amigos do trabalho encontrou o Alberto na rua, maltrapilho, pedindo moedas aos transeuntes. Surpreso com a situação, levou-o para casa, onde ele lhe explicou que depois de visitar vários países, acabou ficando sem dinheiro e sem ideias, e foi deportado para o Brasil faziam poucos dias. Sem nenhum bem de valor (tudo o que tinha foi vendido para financiar suas viagens) e nem ter para onde ir, resolveu fazer um laboratório para um novo romance, a história de um belo e talentoso escritor que, desmemoriado, viveu alguns anos nas ruas, até conhecer e se casar com uma rica e poderosa condessa australiana que passava pelo país.

Ao contar para os ex-colegas da situação do Alberto, todos se mobilizaram para reaver seu emprego, o que foi conseguido depois de algum tempo.

Hoje o Alberto vive uma vida normal e feliz, trabalhando novamente como bancário. E quem achou que os inúmeros romances abandonados pela metade o frustraram, se enganou. o rapaz não largou o hobbie de escritor, e anunciou que está mais confiante do que nunca com seu novo projeto literário, o qual ele jura que finalmente será lançado: um livro de auto ajuda onde o rapaz conta todos os segredos para que pessoas comuns possam vencer na vida e ter sucesso em suas iniciativas mais ousadas.

Quem entende do gênero, garante: vai ser sucesso.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Pílulas

Se conheceram no banquinho de um parque. Idosos, ambos com mais de 80 anos. Como todo clichê que se preze, ele alimentava alguns pombos com migalhas de pão, enquanto ela tricotava um suéter. Faziam isso todos os dias, mas demoraram a se dar conta um do outro. Depois de compartilharem a mesma área do parque por meses sem se notar, cruzaram os olhares por acaso. Simpatia mútua.

Foi ele quem tomou a iniciativa da aproximação. Era do tempo em que os homens tinham por obrigação moral tomar a atitude. Sentou-se discretamente num banco próximo ao da senhora simpática que, com um esforço tremendo, tentava notar disfarçadamente sua aproximação com o canto dos olhos. A vista cansada já não permitia uma percepção tão eficiente quanto a da juventude, mas era possível notar que o cavalheiro grisalho tinha se colocado próximo a ela.

O silêncio perdurou por alguns minutos. Ele tentava achar um bom pretexto para puxar conversa. Ela, tentava se fazer de distraída.

-Olá! Bom dia.

Ela não respondeu. Se deu conta de que precisava falar mais alto.

-Olá!

-Oi!

-Me permite?

-O que?

-Alimentar os pombos.

-Claro.

-Gosta de pombos?

-Não muito. Dizem que são aves sujas.

-Também pensava assim. Mudei de ideia com o tempo.

-Entendo. Eu, desde menina, aprendi a não mexer com eles.

-Força do hábito, não é?

-Acho que sim.

O silêncio voltou a imperar. Ele achou-a simpática. Tinha uma voz bonita, e era surpreendentemente articulada. Sorria toda vez que terminava uma frase. Ela também tinha simpatizado com o senhor. Não sabia explicar bem o motivo, mas tinha gostado. Tinha um ar elegante, envolvente. Não tinha perdido o charme mesmo com aquela idade.

No entanto, nenhum dos dois sabia bem sobre o que falar. Fazia muito tempo que estavam sozinhos: a vida tinha levando embora seus companheiros cedo demais. Naquela altura da vida, a insegurança era inevitável. Ambos sentiam-se sem assunto, mas acima de tudo, sem a coragem necessária para manterem um diálogo qualquer. Quem diria que depois de décadas sentiriam a mesma timidez dos tempos de adolescente.

Cruzaram os olhares novamente. Sorriram, e voltaram aos seus afazeres apenas para manter as aparências, já que ainda estavam pensando em uma forma de continuar a conversa. Nenhuma ideia surgia. Concluíram, resignados, que o tempo tinha lhes tirado a habilidade de se relacionar com as pessoas. Que faltava-lhes o tato necessário para se aproximar de alguém, mesmo que de idade semelhante.

O tempo, no fim das contas, era cruel.

Conformado, ele olhou no relógio e tateou os bolsos à procura de alguma coisa. De lá tirou um estojo, que manuseou com cuidado sob o olhar curioso da senhora que tricotava. Ao abri-lo, foi possível enxergar um surpreendente número de pílulas e comprimidos de todos os tipos, cores, e tamanhos, numa visão que lembrava um catálogo de medicamentos.

Surpresa com o “arsenal” do simpático senhor que estava sentado ao seu lado, a senhora idosa, sem nem ao menos se dar conta, puxou conversa:

-Nossa! Quanta coisa.

Ele sorriu. Sua quase coleção de pílulas era uma espécie de pequeno orgulho hipocondríaco. Boa parte de sua aposentadoria era reservada para manter o estojo atualizado com as últimas novidades da medicina geriátrica. Se surpreendeu com o interesse repentino da senhora, mas não se incomodou. Pelo contrário: aquela era uma oportunidade perfeita para “se exibir”.

-Pois é. Aqui tem pílula para todos os gostos.

-Entendo. Tudo isso é seu?

-Sim. Tudo.

-Bacana.

-É meio mórbido, eu sei. Mas virou um hábito. Quando mais jovem tinha horror a remédios, mas conforme a idade foi chegando eles viraram meus companheiros. Me habituei, sabe?

Ela riu satisfeita. Ele achou aquilo lindo. Faziam décadas que nenhuma mulher ria assim de alguma coisa que ele tinha dito. E não havia deboche em sua gargalhada, podia sentir. Apenas satisfação. Contentamento. Não sabia explicar ao certo. Tinha apenas a certeza de que algo que tinha dito agradou a simpática senhora.

-Posso lhe confessar uma coisa? – Perguntou ela.

-Claro, por favor.

-Você não é o único a ter este hábito.

Para a surpresa do senhor, de dentro de uma bolsa que trazia, ela retirou uma caixa retrátil que, ao ser aberta, revelou uma variedade de pílulas e comprimidos ainda mais ampla que a que ele guardava em seu estojo. Estava tudo arrumado em pequenos compartimentos separados alfabeticamente. Organização absolutamente impecável. As cores das pílulas, variadas, tornavam a visão da caixa agradável a qualquer olhar, mas exerceram um fascínio ainda maior no senhor do estojo, que, boquiaberto, mal podia acreditar no que via.

-Nossa!

-Gostou?

-É... Incrível.

-Que bom que gostou. Essa caixinha aqui, modéstia a parte, é o meu orgulho.

-E eu que achava que era o único a ter uma variedade dessas. Só de olhar já deu para ver que você me superou.

-Imagina. Não diga isso. Já vi que você tem muitas coisas interessantes aí no seu estojo.

-É... Tem sim. Mas, se me permite, posso te fazer uma pergunta?

-Claro.

-Pra que serve esta vermelhinha?

-Hipertensão! É novidade. Mal chegou no país.

-Percebi. Não conhecia. Pra hipertensão eu tomo essa.

-Transparente... Nossa!

-Também é novidade. Dica do meu médico.

-Já viu essa? Três cores! Azul, amarelo e vermelho.

-Linda.

-Osteoporose.

-A minha pra osteoporose é bem simplesinha. Branca, redonda. Parece aspirina.

-Sei.

-E essa daqui? Roxa, grandona. Você tem?

-Tenho sim. Labirintite, certo?

-Isso! E pílulas diuréticas, você usa?

-Algumas. Gosto dessas verdes aqui.

-Eu também. Que coincidência! Tomo duas de uma vez.

- E essas amarelas e cinzas? São do que?

-Bronquite. Mas só tomo quando tenho crises, junto com um xarope.

-Eu, quando tive bronquite, tomava estas. Marrons.

-Conheço. Cheguei a tomar, mas não fizeram o efeito esperado. E me deram alergia!

-Alergia? Conhece esta? Resolve alergia de qualquer tipo.

-Não, nunca tinha visto.

-Eu só não me lembro do nome. Sou péssima para decorar essas coisas. Mas se quiser ficar com uma, talvez um farmacêutico saiba lhe dizer o nome certo.

-Não se preocupe. Meu médico descobre. Ele é especialista isso.

-E ele te incentiva a ir atrás de todos esses comprimidos?

-Não. Ele vive me dando bronca. Diz que apesar de eu precisar tomar um bocado de coisas, eu exagero.

-Conheço o tipo. Meu médico também é assim.

-Mas ele é novinho. Tem muito o que aprender ainda.

-É verdade. O meu diz que eu sou hipocondríaca e que isso é perigoso.

-Todos dizem isso. Mal saíram da faculdade, e querem palpitar. Mas eles se esquecem que viver, por si só, já é perigoso.

-É verdade. Eles me dão nos nervos.

-Nervos? Eu tenho um calmante aqui que é tiro e queda.

-Um de capsula preta?

-Esse mesmo!

-Já conheço. Meu favorito!

-E pra reumatismo? Toma algum?

-Tomo sim. Esse daqui, ó. Mandei fazer numa farmácia de manipulação.

-E é bom?

-Muito! Eu tomava um vermelho e...

-Vermelho e azul?

-Esse mesmo! Mas depois de um tempo, ele já não fazia o mesmo efeito de antigamente. Acabei recorrendo a uma farmácia de manipulação. Resolveu o problema.

-De farmácia de manipulação eu só tomo um que é para afinar o sangue. Faz maravilhas.

A conversa seguiu animada.Tinham encontrado um assunto em comum, um “hobbie” mútuo que serviu para lhes aproximar. A hipocondria, por mais incrível que pareça, também tinha suas vantagens.

-Tá vendo essa rosa, aqui? – Perguntou ele.

-Sim.

-Diabetes!

-É boa?

-Muito. Mudou minha vida!

-Vou atrás dessa. Eu tomo uma amarela, mas não estou satisfeita.

-Vai ser difícil de encontrar esta. Importada. Tenho uns esquemas para trazer.

-Poxa. Que pena.

-Mas eu tenho uma caixa extra lá em casa. Gostaria que eu lhe trouxesse?

-Mas não vai te fazer falta?

-Imagina. Já encomendei outras. Sempre deixo uma de reserva.

-Bem... Se não for incômodo, eu aceito sim.

-Não é incômodo algum, pode apostar.

-Poxa... Obrigada! Amanhã, trarei também minhas outras exclusividades. Se tiver alguma coisa que lhe interessar...

-Seria ótimo. Fiquei interessado em uma porção de coisas que me citou.

-Pois amanhã poderá conferir tudo.

-Que bom, que bom...

Ficaram se encarando, felizes, durante algum tempo. Por fim, constataram que já era tarde. Deram-se as mãos, sorridentes, prometendo que se reencontrariam no dia seguinte.

Foram para casa satisfeitos, com a certeza de que, mesmo depois de todos aqueles anos, ainda era possível encontrar boas surpresas pelo caminho.

O tempo, quem diria, não era tão cruel assim.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Musas

Colegas reunidos ao redor da ampla mesa do bar. Cervejas geladas aos montes, aperitivos variados nos pratos, e assuntos de todos os tipos sendo debatidos. Típico cenário de mais uma noite boêmia.

Na roda, o assunto da vez eram mulheres. Belas mulheres. Mulheres de ontem e de hoje, não importava: cada um devia citar sua musa, a mulher por quem perderiam a compostura na mesma hora, por quem largariam a família, por quem deixariam de ver o time de coração numa final de campeonato se ela assim quisesse.

-Mulheres bonitas eram as antigas.

-Não diga isso... As novas tem seu valor.

-Não é bem assim. Hoje em dia não há quem supere uma Brigitte Bardot, por exemplo.

-Linda!

-Disse tudo. Aquilo sim era mulher.

-Alguém lembra da Sophia Loren? A mais linda que eu já conheci...

-Que olhos meu Deus, que olhos.

-Você fala como se fossem só os olhos que chamassem a atenção nela... E o resto do corpo?

-Tem razão. Que corpo! Eram tempos escassos para os olhos. Os vestidos eram largos. Era difícil enxergar qualquer coisa além de pano. Mas ela tinha curvas tão generosas que dava pra ver todos os seus atributos... Em detalhes!

-E a boca, então?

-Divina! Não há mais mulheres hoje em dia com uma boca como aquela... Deus teve ter esgotado o estoque.

-Discordo! E a Angelina Jolie? Não existe mais boca do que aquilo. O dia que venderem bocas por aí, a dela vai estar na capa do catálogo.

-É verdade. Jolie é Jolie.

-Sei lá. Falta charme.

-E quem precisa de charme quando se tem um corpo daqueles?

-Aquilo é a luxúria em pessoa. Uma blasfêmia ambulante!

-Não sei explicar. Falta harmonia. Aliás, não só nela, mas em todas as mulheres de hoje em dia. Veja essas novas musas dos adolescentes... Como a... Sei lá... Megan Fox!

-Mulherão!

-Pois então: aquilo é só peito.

-Peito, bunda e vulgaridade.

-Vulgaridade?

-Sim. Repare: não tem uma cena de um filme em que ela apareça sem se insinuar. Mulher pra ser atraente não precisa disso.

-Precisar não precisa. Mas que ajuda, isso ajuda...

-Eu nunca precisei ver o útero da Brigitte Bardot pra achar ela linda.

-Pois é. Vendo assim, acho que você até tem razão.

-Mas vamos seguir em frente: quero outros exemplos.

-Julianne Moore.

-Lindíssima. Adoro ruivas.

- Já eu, sou fascinado pela Audrey Tatou.

-Tá de brincadeira, né? O que ela tem de especial? É uma mulher como outra qualquer.

-Sei lá... Gosto das francesas. Ela tem algo que me atrai.

-Eu acho feia.

-Deixa ele. Gosto não se discute.

-Francesa por francesa, fico com a Carla Bruni.

-Meu Deus... Aí sim! Ela é sensacional.

-Concordo. Além do mais, gosta de homens feios.

-Feios e poderosos. Não é a toa que está com o presidente da França.

-São todas assim. Suscetíveis ao poder.

-Digam o que disserem, acho que ainda não inventaram nada melhor que a Paz Vega.

-É verdade. Tinha me esquecido da Paz Vega.

-Me desculpe, mas mulher como aquela não se esquece. Tem sangue espanhol... Sangue quente!

-Isso não quer dizer nada. E a Yelena Isinbayeva? É russa, mas ainda está pra nascer mulher mais quente do que aquela.

-Bem lembrado: além de linda, é atleta. Já viu o abdômen dela? Uma perdição. Nunca achei salto com vara tão divertido.

-É bela, mas forte demais. Cadê a delicadeza feminina?

-E a Maria Sharapova, a tenista?

-Viva a Rússia!

-Pois é: mas país por país, sou mais o Brasil.

-É... As brasileiras são as melhores, indiscutivelmente.

-Concordo. Taí a Gisele Bundchen para provar.

-A Gisele é clichê. E na minha opinião não chega aos pés de uma Alessandra Ambrósio.

-É verdade. Se um dia ela me encontra na rua e me manda um sorriso, eu me aposentava.

-Se o assunto são modelos, eu ainda prefiro a Adriana Lima. Quase perfeita.

-É justo, é justo.

-E a Alice Braga?

-Divina. Beleza simples, mas marcante. É a simpatia em pessoa.

-Pois é. Mas brasileira boa mesmo é Juliana Paes.

-Ô se é. Muitos caminhões de areia já arriaram por ela...

-Preferência nacional.

-Falta charme nela, sei lá.

-Você e o charme. Nunca vi ninguém tão fixado nisso.

-Mas é algo importante. Eu acho.

-Ah é? E quem é sua musa, afinal de contas?

-A mamãe.

O silêncio que seguiu a afirmação do Gonzaga foi tomado como absoluta precaução. Ninguém sabia se o rapaz, notório por seus gostos peculiares, falava sério ou tinha feito uma anedota com a situação. Sendo assim, por via das dúvidas, todos seguraram pacientemente a gargalhada.

-A mamãe sim. Bonita. Charmosa. Beleza na medida certa.

Mesmo constatando que o Gonzaga falava sério, o pessoal até pensou em gargalhar com a situação. No entanto, de súbito, todos tiraram quase simultaneamente a mesma conclusão: no fundo, ele até tinha razão. Afinal de contas, mãe é mãe.

Chamaram o garçom, pediram outra rodada, e mudaram de assunto.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Gordas

-Gorda, gorda, gorda!

-Exagero.

-Exagero, pois não é com você.

-Foi inveja.

-Foi a realidade. São fatos, querida... Fatos! Tá vendo isso daqui?

-O que é que tem?

-Banha!

-Que nada, menina. Isso todo mundo tem. E para de apertar seu abdômen que ele vai ficar roxo!

-Que fique. Vai ser castigo. Penitência por ter me descuidado.

-Larga isso, pelo amor de Deus! Você vai ficar com marca.

-Ok.

-Você está ótima. Linda de morrer.

-Mentira!

-Não é não. Sério! Garanto que qualquer homem por aí baba por você.

-Poupe seu tempo, amiga. Você não vai me convencer.

-Você não acredita em mim, é isso?

-Acredito... Menos quando o assunto é esse.

-Quer dizer que na minha palavra você não acredita, não é? Mas na palavra daquela mulher, quase desconhecida, que estudou com você há vários anos, você dá crédito. Quanta consideração comigo, hein?

-Mas veja os fatos!

-Que fatos?

-Ela veio lá do outro lado do salão... De um salão enorme, cheio de gente dançando... Exclusivamente pra me dizer: “Nossa! Você cresceu, ou é impressão minha?”. Entende? Olha o nível!

-Mas ela disse que você cresceu, não que você engordou.

-Você não viu os olhos dela. Cinismo. Ironia. Deboche. Além do mais, toda mulher gosta de cutucar a outra indiretamente. Era sarcasmo.

-Pelo amor de Deus! Você mesma me disse que faziam uns 15 anos que ela não te via. Eram crianças da última vez que vocês tinham se visto. É óbvio que ela estava mesmo se referindo ao seu tamanho...

-Não. Aquele cinismo não me engana. Ela me chamou de gorda.

-Isso é só coisa da sua cabeça.

-Eu não sou paranoica, tá? Eu sei o que eu vi... E o que eu ouvi.

-Você não é gorda. Não diga isso...

-Digo sim. É a realidade. Ainda estou longe de ser magra.

-Você vai acabar passando mal. Não tem nem se alimentado direito...

-As folhas de alface que eu como me oferecem tudo o que eu preciso por hora.

-Mas você não sai da academia! Faz três semanas que tem malhado sem parar. Precisa de proteínas, fibras, carboidratos...

-Para, vai... Ganhei dois quilos só de ouvir isso.

-Além do mais, você fica tomando esta porcaria de emagrecedor que você nem sabe qual é a procedência.

-Tava anunciando na TV de madrugada. É coisa séria.

-Esse negócio fede. É nojento!

-Mas faz maravilhas.

-Deve custar uma fortuna.

-Sim, mas vale o investimento. Mês que vem eu compro outra caixa. Eles parcelam em 12 vezes!

-Menina... Você está fazendo mal para si mesma! Teu corpo não tem mais o que perder de gordura.

-Tem sim. E isso é só o começo.

-Olha... Quer saber? Se você se acha gorda, é sinal que eu também sou gorda. Nós temos o mesmo peso, esqueceu? Estou mentindo?

-Não.

-Então. Meu médico sempre diz que eu estou em plena forma.

-E você acreditou?

-Como assim?

-Que você está em forma?

-Mas é claro.

-Hehehe... Então tá!

-Peraí, peraí! Que risadinha foi essa?

-Risadinha?

-Eu escutei você dando uma risadinha. Não finja que não me entendeu!

-Ai amiga... É que assim: eu odeio ter que te dizer isso...

-Humm...?

-Mas é que, sei lá, tô te achando meio...

-Meio...?

-Cheinha!

-Aff!

-Sério. Me aperta o coração falar.

-Meu médico falou que meu índice de gordura corporal está perfeito.

-Médicos não entendem disso. Tem coisas que só o olhar clínico de uma mulher é capaz de enxergar. E o meu olhar diz que você precisa perder uns quilinhos...

-Mas...

-Não é muito, não. Só uns 10, 12 kg...

-Meu namorado diz que eu sou linda!

-Isso até ele te trocar por uma moça magérrima e alegar que você era insuportavelmente gorda.

-Será?!

-Vai por mim, amiga. Se estou falando isso é para o seu bem.

-Poxa...

-Venha almoçar comigo, que isso já passa. Temos muito o que conversar. A gente pode dividir o almoço, que tal? Estou achando que tenho exagerado na alface... Na minha atual fase, isso é um perigo.

-Ei... Escuta!

-Sim?

-Você tem aí o telefone daqueles caras que vendem o emagrecedor?

***


Gordas

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Capítulo 1

Certos hábitos nunca mudam.

Por exemplo, não importa o quanto eu tenha crescido, o quanto eu me sinta maduro, ou quantos livros do Shakespeare eu tenha lido, sempre que tiver uma oportunidade, eu irei perder uma manhã inteira na frente da TV assistindo a algum desenho animado que passa em uma emissora de TV qualquer. Não importa que eu já tenha assistido o tal desenho uma dúzia de vezes, muito menos os apelos desesperados de minha consciência que grita algo como “Pelo amor de Deus, Zé! Olha o teu tamanho, cara! Você não tem mais idade pra essas coisas”.

A verdade é que eu gosto disso. Por mais banal e inútil que seja este hábito, ele gera um prazer característico que eu não consigo resistir. Uma endorfina natural, suponho, que faz com que deixe de lado outras dúzias de coisas mais produtivas. Quase um vício.

O mesmo sentimento eu sinto ao escrever. Desde minha infância eu costumava flertar com minhas idéias em folhas de cadernos já usados, escrevendo textos que refletiam meu estado de espírito. Sim, eu era um menino esquisito. Fazia questão de bolar histórias e botá-las no papel, com único intuito de ler posteriormente, e rir das próprias tiradas. Algo que mais tarde eu descobri ser chamado de narcisismo.

O fato é que escrever me dava a possibilidade de exercitar uma habilidade que não tinha: a de falar bem. Sempre fui um orador desprezível, incapaz de dizer uma frase de impacto sem algumas horas de ensaio, mesmo que ela já estivesse pronta em minha cabeça. Botar as idéias no papel passou a ser minha desforra: uma vingança particular contra a incapacidade que tinha de ser um “Ás” nas palavras.

Por anos, esta vertente escritora ficou restrita as gavetas de minha estante, ou as caixas de cadernos velhos guardadas em algum canto empoeirado da casa.

Isto só mudou numa manhã de janeiro de 2007: durante uma folga do trabalho, e num momento de tédio, resolvi criar um blog na Internet onde poderia exercitar publicamente minhas vertentes de escritor. Nascia aí o “Eu Não Sei Fazer Poesia”, site pessoal que passou a abrigar os textos que, até então, eram dedicados às traças.

Pois é... Criar um blog, é quase como tentar aparecer numa câmera de TV por trás de um repórter durante uma matéria. Por mais que não quisesse admitir, era óbvio que, no fundo, eu desejava que mais pessoas pudessem ler o que eu costumava escrever. Queria aparecer.

Com um início confuso, onde não sabia bem o que, e nem como escrever, fui criando uma pequena identidade no espaço. Sendo assim, o site pessoal que abrigaria postagens variadas sobre assuntos que agradavam o autor, passou a ser dedicado quase que exclusivamente aos meus devaneios literários: crônicas, geralmente com tom mais humorístico, em que tratava de assuntos do cotidiano. O tema que, no fundo, sempre foi minha principal motivação para criar o blog.

Durante cerca de um ano e seis meses, o “Eu Não Sei Fazer Poesia” abrigou postagens “regulares” (cof, cof...) com crônicas criadas pelo rapaz que até então preferia guardar seus textos numa gaveta. As tais postagens com “variedades” quase nunca existiram.

O hobbie de escrever foi ganhando importância, de forma que me via cada vez mais distraído enquanto pensava em alguma situação que pudesse render uma “boa” história. Já tinha virado um hábito.

No entanto, o mundo vai dando voltas que nem sempre somos capazes de acompanhar: fui perdendo o fôlego para manter o blog atualizado. Meu tempo livre foi diminuindo na mesma proporção em que minhas responsabilidades no trabalho, na faculdade e no cotidiano aumentavam. Somado a isso, por um problema técnico, minha senha para entrar no blog ficou travada, o que, misteriosamente, só foi se resolver meses depois de minha última postagem. A situação chegou a tal ponto que não tive mais de onde tirar motivação para continuar: mesmo sem um anúncio oficial, ou um enterro digno, o “Eu Não Sei Fazer Poesia” tinha morrido.

Mas, como disse anteriormente, certos hábitos não morrem.

Por isso, pouco mais de um ano depois de minha última postagem no falecido site, decidi dar início a um novo projeto: o “Pois Zé”, blog pessoal que seguirá a mesma linha do seu antecessor, abrigando textos de minha autoria.

As diferenças? Praticamente nenhuma. O foco é o mesmo: as crônicas supostamente bem humoradas e uma ou outra colocação mais pessoal. Talvez a grande mudança é que tentarei exercitar outros gêneros além do humor em meus textos. Mas uma coisa não muda: o mal gosto e as tiradas sem graça serão as mesmas de sempre.

E antes que alguém me avise, eu sei: os blogs estão fora de moda. A onda agora é o Twitter, o famoso microblog que virou coqueluche entre os internautas do planeta. É mais ou menos a mesma febre vivida pelo Orkut no Brasil lá por 2004 e 2005. Mas, como todo bom rapaz fora de moda, eu resisto bravamente à tentação de me embrenhar nesse mundo. Da mesma forma que “eu não sei fazer poesia”, eu também não sei escrever em menos de 140 caracteres. Quem sabe eu até me converta a esta onda, e vire mais um fã desse treco no futuro. Até lá, prefiro continuar resistindo.

Deixo desde já, aos amigos e visitantes que por ventura passarem por aqui, o meu sincero muito obrigado. É em função do carinho de vocês que eu continuo em minha sina de maltratar o bom gosto literário... Com mais de 140 caracteres, é claro.

Sejam todos bem vindos e, na medida do possível, divirtam-se!

Até.

Quem é este cara? (O Autor)

Nascido numa noite quente de quarta-feira na segunda metade dos anos 80, José Luiz Sykacz, popularmente conhecido como Zé, é mais uma das provas de que a década em questão foi absolutamente nociva para o futuro da humanidade.

Criado numa cidade da Região Metropolitana de Curitiba, o garoto mostrava desde cedo sua vocação para o jornalismo e para criação de histórias ao rabiscar com canetinhas multicolor personagens fictícios em páginas de jornais. Aprendeu a ler em casa junto com a avó paterna e logo virou fã de carteirinha de grandes personagens da literatura nacional, como Mônica, Cascão e Cebolinha.

Nerd não convicto, era alvo de gozações na escola por possuir uma cabeça avantajada, e por passar por situações constrangedoras com uma frequência assustadoramente grande. Com o tempo, passou a incorporar o título de palhaço da turma, título que ele carregou orgulhosamente até o fim do ensino médio. É do tipo que perde o amigo, a namorada e o ônibus, mas não perde a piada.

Apaixonado por leitura, é fã incondicional de autores como Luiz Fernando Veríssimo (sua “musa” inspiradora), Carlos Drummond de Andrade, Nelson Rodrigues, Gay Talese e Joseph Mitchel.

Adora escrever, mesmo admitindo que não é grande coisa. Gosta de criar contos de humor, e críticas moralistas sobres assuntos que não tem pleno domínio. Tem paixão por frases de efeito, e acha que a vida é o clichê de Deus. Não é gago, mas é tímido o bastante para ter enormes dificuldades de se comunicar verbalmente. É adepto do ditado que diz que as vezes é melhor ficar quieto e deixar que todos pensem que você é um idiota, do que abrir a boca e não deixar dúvida nenhuma.

Gosta de desenhos animados, apesar de não ter mais idade para isso, e costuma torrar várias horas produtivas do dia à frente de um videogame. É pisciano, apesar de não entender chongas sobre este tipo de coisa. Já viu discos voadores, não acredita em duendes, e nunca usou drogas, muito embora já tenha assistido a programas de TV no domingo à tarde, o que na prática é quase a mesma coisa.

Amante do cinema, é fã de obras lendárias da sétima arte como “Corra que a Polícia Vem Aí” e “Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu”. Gosta de diretores como Stanley Kubrick, Michel Gondry e Jorge Furtado. Sim, ele é bem eclético. Tem o hábito de frequentar cinemas sozinho, e jura que ainda vai tirar aos tapas alguma criança ou adolescente baderneiro de dentro da sala.

Gosta de vários estilos musicais, apesar de quase nunca se aprofundar muito em nenhum deles. No rock, é fã de bandas antigas como Ramones e recentes como Strokes. É tarado por Johnny Cash. Nunca tocou nenhum instrumento na vida, mas ainda pretende ser baterista. Acha que a música está em decadência, e que depois dos anos 90 quase nada se salva.

Tem pavor de sangue, odeia cebola, não vive sem café, e costuma mudar entre assuntos que não tem a menor relação entre si de uma hora para outra. Heterossexual assumido, está à procura de uma mulher inteligente, bonita, sarcástica e bem humorada, embora tenha convicção que ganhar na loteria é mais fácil.

Adora esportes, mas é um completo desastre na prática de quase qualquer um deles. Ainda quer trabalhar com isso. Apaixonado por futebol , é goleiro nas horas vagas, e como outros milhões de brasileiros, acha que seria um bom nome a ser considerado para o cargo de técnico da seleção. Ama frequentar estádios, e já se dirigiu a inúmeros árbitros usando boa parte dos insultos existentes na língua portuguesa, embora não se orgulhe disso.

Formado em jornalismo, é do tempo em que ainda era preciso estudar para se praticar a profissão. Tem paixão por seu ofício, mas finalmente entendeu depois de formado os motivos de sua mãe lhe pedir para cursar medicina ou direito. Não liga muito para dinheiro, mas vive reclamando que o dinheiro também não da muita bola para sua carteira.

Em 2007, criou um blog pessoal chamado “Eu Não Sei Fazer Poesia”, que foi encerrado um ano e meio depois por falta de atualizações. Em 2009, criou o Pois Zé, novo blog pessoal que ele promete atualizar com alguma frequência, mesmo sem especificar se tal periodicidade será semanal, mensal, ou anual.

Apreciador incorrigível de ironias, tem quase a absoluta certeza de que irá se arrepender amargamente de ter escrito tal perfil daqui a alguns meses. Portanto, se você estiver lendo este texto do ano de 2010 em diante, é sinal de que este blog está abandonado, e o autor não se recorda mais das abobrinhas que escreveu.


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O Blog

O Pois Zé é um blog pessoal escrito pelo desconhecido Zé Luiz Sykacz, paranaense formado em jornalismo, que gosta de criar textos literários de gosto duvidoso e se exibir para os amigos.

Esta é a segunda empreitada do autor no universo dos blogs pessoais que quase ninguém lê. Em 2007, ele criou o Eu Não Sei Fazer Poesia, espaço onde publicava suas criações em intervalos de tempo não definidos à espera de que um amigo amável fizesse um comentário elogioso. Ou não.

Atarefado, acabou abandonando o espaço não oficialmente no segundo semestre de 2008, prometendo que voltaria algum dia. A profecia se cumpriu em outubro de 2009 quando o rapaz pôs no ar o Pois Zé, blog que segue a mesma proposta do seu antecessor.

Além de crônicas novas e antigas (reescritas, se necessário), o Pois Zé trará eventualmente postagens sobre assuntos variados que por ventura chamarem a atenção do autor, além de possíveis colaborações de amigos e colegas. Isso, até ele enjoar da brincadeira e abandonar o espaço, o que pode acontecer a qualquer momento.

Vale lembrar que o autor é adepto do uso de dose cavalares de sarcasmo em alguns destes textos, sendo assim, se por ventura sentir-se ofendido(a) com algumas de suas colocações, ignore. No fundo o pobre infeliz estava só tentando fazer piada de alguma coisa, mas sem nenhuma maldade.

Sejam muito bem vindos!


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