segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O convidado

-Feliz 2010! – Disse o rapaz envolvendo a moça, a dona da festa, num longo e demorado abraço.

-Obrigada. Pra você também. – Respondeu ela meio assustada com o avanço repentino do rapaz, que, numa primeira olhada, não reconheceu.

-Muito obrigado.

-Imagina. Ei... Desculpe a indelicadeza, mas... Posso te fazer uma pergunta meio constrangedora?

-Obviamente.

-Quem é você mesmo? Eu sei que é meio chato perguntar, mas é que eu não estou acostumada com tanta gente aqui em casa, e devo ter bebido demais, por isso não estou reconhecendo direito o pessoal... Foi mal! – Disse a moça antes de dar uma gargalhada constrangida sob o olhar aparentemente compreensivo do convidado desconhecido.

-Imagina... Isso é super comum. Eu sou o Mauro. Maurinho para os amigos.

-Ah sim... Mas ainda não estou lembrando direito quem é você.

-Você não me conhece.

-Ah não? Você é amigo de alguém da galera, suponho?

-Na verdade não.

-Bem... Então como... Você... Quer dizer: como é que você veio até aqui?

-Para ser sincero eu estava andando pelo prédio, vi a movimentação na porta e resolvi entrar. Espero que não se importe.

-Ah... Bem...

-Esse canapé está uma delícia. É feito do que?

-Ah... O canapé? É...

-Desculpe. Só agora me dei conta: seu nome é?

-Meu nome? Maria! Mas veja...

-Muito prazer, querida. Está uma delícia, Maria. Divino mesmo.

-Ah... Obrigada.

-De nada. Já comi centenas de canapés, mas este definitivamente é o melhor.

Constrangidíssima, a dona da festa parecia estar determinada a pedir para que o rapaz saísse. Ele não estava incomodando ninguém, mas era no mínimo temerário deixar um desconhecido frequentar uma festa que era só para os amigos mais íntimos dos donos da casa. Além do mais, o rapaz já tinha dado conta de três garrafas de champanhe e de dúzias de salgadinhos em poucos minutos. Levando em conta que o estoque da festa não era tão vasto assim, mantê-lo ali poderia significar o fim da comida muito antes do planejado.

-É Mauro, né?

-Maurinho pra você, Maria.

-Ah... Ok. Veja bem Maurinho...

-Pois não.

-Eu sei que isso é bem indelicado...

-Sim?

-Mas é que... Bem... Eu nem te conheço direito, entende? Fico meio desconfortável com um convidado que é... Digamos... Penetra! Será que você me entende?

-Perfeitamente.

-Ótimo, ótimo.

-Nesse caso, faço questão de me apresentar solenemente. Eu sou o Mauro, moro ali no Boqueirão. Estou desempregado, mas faço uns bicos por aí, sabe? Só pra descolar uns trocados... Hoje, por exemplo, o síndico me pediu pra verificar a fiação do seu prédio que estava dando defeito. Sou de Áries, tenho 27, gosto de música... O que mais?

-Poxa Mauro... Acho que você não está entendendo direito onde quero chegar.

O Mauro sorriu satisfeito e lançou uma cara divertida do tipo “isso sempre acontece”.

-Imagina, Maria. Isso é normal. Somos dois adultos. Crescidos. É natural rolar uma atração mútua.

-Não, não é isso!

-Não fuja deste sentimento, Maria. Eu sou um sujeito liberal, maduro. Senti que está rolando um clima entre nós desde que cheguei. E pra ser sincero, te achei bem sexy e...

-Eu sou casada! Essa festa foi organizada pelo meu marido.

-Não tem problema. Eu sou discreto.

Convencida de que não conseguiria se livrar do bicão sem ser mais “específica”, ela resolveu botar a cordialidade de lado e deixar tudo bem claro:

-Escuta, Mauro: eu não estou a fim de você, ouviu? Eu, na verdade, estou tentando te pedir para se retirar do meu apartamento. Você é um penetra, que entrou sem ser convidado e já comeu sozinho metade do estoque de salgadinhos. Não dá para continuar desse jeito. Tentei maneirar, mas não dá.

-Como assim? – Perguntou o Mauro, pensativo enquanto mastigava empolgado três canapés de uma vez.

-Estou te pedindo pra sair. Sair, sabe? Do verbo “dar o fora daqui antes que eu chame a polícia”! Entendeu agora?

O Mauro, com uma cara de absoluto espanto, engoliu assustado os canapés.

-Eu... Eu... Estou chocado.

-Por favor. Estou te pedindo isso é para o seu bem. Antes que meu marido descubra que a festa tem um bicão e que ainda por cima ele está dando em cima de mim, pois nesse caso é provável que você saia daqui pela janela.

-Maria...

-Sim?

-Não precisa fazer isso. Sei que está assustada com a situação. Ficar atraída assim, por um completo desconhecido, de uma hora para outra é complicado. Mas eu sou compreensivo, e posso até ir falar com seu marido se você quiser... Eu senti que havia algo de especial entre nós, Maria. Vai negar isso?

Irritada, a Maria mandou o bom senso às favas e desabafou:

-Ahhh rapaz... Se liga, vai! Dá o fora daqui de uma vez. – Disse ela, enquanto empurrava o Mauro pelas costas até a porta, que foi fechada com violência logo depois dele ter saído.

Já no corredor, o Mauro lamentou a falta de cordialidade existente no mundo atual. Lembrou dos bons tempos em que era possível ser penetra numa festa de réveillon, comer a vontade e ainda ter uma noitada com alguma das convidadas. A cada ano que passava, ficava cada vez mais evidente aos seus olhos que aquele mundo estava perdido.

Antes de pegar o elevador à procura de outra festa em algum apartamento, ele fez questão de gritar a todo pulmão um desaforo na direção da porta da anfitriã que tinha lhe despachado.

-Ei! Maria! Sabe o Canapé? Eu menti! Aquela porcaria é a pior coisa que eu já comi!

O Maurinho é assim: não leva desaforo pra casa.