terça-feira, 3 de novembro de 2009

Gordas

-Gorda, gorda, gorda!

-Exagero.

-Exagero, pois não é com você.

-Foi inveja.

-Foi a realidade. São fatos, querida... Fatos! Tá vendo isso daqui?

-O que é que tem?

-Banha!

-Que nada, menina. Isso todo mundo tem. E para de apertar seu abdômen que ele vai ficar roxo!

-Que fique. Vai ser castigo. Penitência por ter me descuidado.

-Larga isso, pelo amor de Deus! Você vai ficar com marca.

-Ok.

-Você está ótima. Linda de morrer.

-Mentira!

-Não é não. Sério! Garanto que qualquer homem por aí baba por você.

-Poupe seu tempo, amiga. Você não vai me convencer.

-Você não acredita em mim, é isso?

-Acredito... Menos quando o assunto é esse.

-Quer dizer que na minha palavra você não acredita, não é? Mas na palavra daquela mulher, quase desconhecida, que estudou com você há vários anos, você dá crédito. Quanta consideração comigo, hein?

-Mas veja os fatos!

-Que fatos?

-Ela veio lá do outro lado do salão... De um salão enorme, cheio de gente dançando... Exclusivamente pra me dizer: “Nossa! Você cresceu, ou é impressão minha?”. Entende? Olha o nível!

-Mas ela disse que você cresceu, não que você engordou.

-Você não viu os olhos dela. Cinismo. Ironia. Deboche. Além do mais, toda mulher gosta de cutucar a outra indiretamente. Era sarcasmo.

-Pelo amor de Deus! Você mesma me disse que faziam uns 15 anos que ela não te via. Eram crianças da última vez que vocês tinham se visto. É óbvio que ela estava mesmo se referindo ao seu tamanho...

-Não. Aquele cinismo não me engana. Ela me chamou de gorda.

-Isso é só coisa da sua cabeça.

-Eu não sou paranoica, tá? Eu sei o que eu vi... E o que eu ouvi.

-Você não é gorda. Não diga isso...

-Digo sim. É a realidade. Ainda estou longe de ser magra.

-Você vai acabar passando mal. Não tem nem se alimentado direito...

-As folhas de alface que eu como me oferecem tudo o que eu preciso por hora.

-Mas você não sai da academia! Faz três semanas que tem malhado sem parar. Precisa de proteínas, fibras, carboidratos...

-Para, vai... Ganhei dois quilos só de ouvir isso.

-Além do mais, você fica tomando esta porcaria de emagrecedor que você nem sabe qual é a procedência.

-Tava anunciando na TV de madrugada. É coisa séria.

-Esse negócio fede. É nojento!

-Mas faz maravilhas.

-Deve custar uma fortuna.

-Sim, mas vale o investimento. Mês que vem eu compro outra caixa. Eles parcelam em 12 vezes!

-Menina... Você está fazendo mal para si mesma! Teu corpo não tem mais o que perder de gordura.

-Tem sim. E isso é só o começo.

-Olha... Quer saber? Se você se acha gorda, é sinal que eu também sou gorda. Nós temos o mesmo peso, esqueceu? Estou mentindo?

-Não.

-Então. Meu médico sempre diz que eu estou em plena forma.

-E você acreditou?

-Como assim?

-Que você está em forma?

-Mas é claro.

-Hehehe... Então tá!

-Peraí, peraí! Que risadinha foi essa?

-Risadinha?

-Eu escutei você dando uma risadinha. Não finja que não me entendeu!

-Ai amiga... É que assim: eu odeio ter que te dizer isso...

-Humm...?

-Mas é que, sei lá, tô te achando meio...

-Meio...?

-Cheinha!

-Aff!

-Sério. Me aperta o coração falar.

-Meu médico falou que meu índice de gordura corporal está perfeito.

-Médicos não entendem disso. Tem coisas que só o olhar clínico de uma mulher é capaz de enxergar. E o meu olhar diz que você precisa perder uns quilinhos...

-Mas...

-Não é muito, não. Só uns 10, 12 kg...

-Meu namorado diz que eu sou linda!

-Isso até ele te trocar por uma moça magérrima e alegar que você era insuportavelmente gorda.

-Será?!

-Vai por mim, amiga. Se estou falando isso é para o seu bem.

-Poxa...

-Venha almoçar comigo, que isso já passa. Temos muito o que conversar. A gente pode dividir o almoço, que tal? Estou achando que tenho exagerado na alface... Na minha atual fase, isso é um perigo.

-Ei... Escuta!

-Sim?

-Você tem aí o telefone daqueles caras que vendem o emagrecedor?

***


Gordas