sábado, 12 de novembro de 2011

Temperatura

Como toda boa discussão, aquela começou durante uma conversa de bar aparentemente inofensiva entre dois amigos. O Beto reclamou do calor. O Manoel disse que “estava gostoso”.

-Sem essa, vai. Calor demais é insuportável.

-Eu adoro. Por mim, era verão o ano inteiro.

-Vira essa boca pra lá. Se essa onda de calor não passar, eu pego minhas coisas e me mando pra Sibéria.

-Deixa de ser exagerado, vai.

-É sério. Não tem nada melhor que o frio.

-Deus do Céu! Que mau gosto.

-Pensa comigo, vai: aquela manhã de geada em pleno domingo... Você debaixo das cobertas... Tem sensação melhor que essa?

-Tem. Praia, 40°C e uma cerveja na mão.

-Nhé...

-Além do mais, não tem época pior pros olhos masculinos. As mulheres saem de casa parecendo astronautas. Para se observar um naco de pele, dá trabalho. É cachecol, luva, sobretudo... Nem uma barriguinha dá pra enxergar.

-Mas é no frio eu elas ficam realmente quentes. Experimente levar uma moça num dia frio pra sua casa ou pra um bom restaurante. É só abrir um bom vinho que o universo se encarrega do resto.

-Se no inverno elas ficam quentes, no verão elas fervem, amigo.

-Há controvérsias.

-Quais?

-O frio é sedutor.

-Quem disse?

-Eu disse. As melhores mulheres que já tive foram conquistadas com a ajuda do termômetro. No verão, foram poucas.

-Isso é óbvio, né? Você é do tipo que não tira o agasalho pra nada. Como quer seduzir alguém se vive encasacado? Já vi você indo para a praia de ceroulas.

-Engraçadinho.

-É sério. O frio, de bom, não tem nada. Bota isso na cabeça.

-O frio é aconchegante.

Foi aí que a situação começou a degringolar, quando o Manoel, inocentemente, retrucou depois de filosofar um pouco sobre o assunto:

-O calor é aconchegante. O frio não. Quando o dia está frio e você põe uma coberta, é o calor que te faz sentir prazer, não o frio. Além do mais, do ponto de vista da física, o frio não existe. O que existe é a ausência de calor. Ou seja... Tecnicamente, você diz gostar de algo inexistente.

Um breve e constrangedor silêncio perdurou durante alguns minutos. Logo depois o Beto, com uma cara repreensiva, pegou suas coisas e foi embora sem se despedir.

Dias depois, quando o Manoel foi procurar o velho amigo para entender o que tinha feito de errado, ouviu dele que sua atitude tinha sido profundamente indelicada: jamais, sob hipótese alguma, se deve retrucar um amigo numa conversa de bar com um argumento científico e/ou filosófico. Além de desleal, tal gesto demonstraria uma profunda falta de respeito à natureza do debate de botequim, cujo objetivo central é, invariavelmente, não chegar a lugar nenhum.

-Perdoaram-se, e marcaram de se reencontrar no bar já no dia seguinte para matar as saudades. Mas, dessa vez, sem ciência envolvida.