Como toda boa discussão, aquela começou durante uma conversa de bar aparentemente inofensiva entre dois amigos. O Beto reclamou do calor. O Manoel disse que “estava gostoso”.
-Sem essa, vai. Calor demais é insuportável.
-Eu adoro. Por mim, era verão o ano inteiro.
-Vira essa boca pra lá. Se essa onda de calor não passar, eu pego minhas coisas e me mando pra Sibéria.
-Deixa de ser exagerado, vai.
-É sério. Não tem nada melhor que o frio.
-Deus do Céu! Que mau gosto.
-Pensa comigo, vai: aquela manhã de geada em pleno domingo... Você debaixo das cobertas... Tem sensação melhor que essa?
-Tem. Praia, 40°C e uma cerveja na mão.
-Nhé...
-Além do mais, não tem época pior pros olhos masculinos. As mulheres saem de casa parecendo astronautas. Para se observar um naco de pele, dá trabalho. É cachecol, luva, sobretudo... Nem uma barriguinha dá pra enxergar.
-Mas é no frio eu elas ficam realmente quentes. Experimente levar uma moça num dia frio pra sua casa ou pra um bom restaurante. É só abrir um bom vinho que o universo se encarrega do resto.
-Se no inverno elas ficam quentes, no verão elas fervem, amigo.
-Há controvérsias.
-Quais?
-O frio é sedutor.
-Quem disse?
-Eu disse. As melhores mulheres que já tive foram conquistadas com a ajuda do termômetro. No verão, foram poucas.
-Isso é óbvio, né? Você é do tipo que não tira o agasalho pra nada. Como quer seduzir alguém se vive encasacado? Já vi você indo para a praia de ceroulas.
-Engraçadinho.
-É sério. O frio, de bom, não tem nada. Bota isso na cabeça.
-O frio é aconchegante.
Foi aí que a situação começou a degringolar, quando o Manoel, inocentemente, retrucou depois de filosofar um pouco sobre o assunto:
-O calor é aconchegante. O frio não. Quando o dia está frio e você põe uma coberta, é o calor que te faz sentir prazer, não o frio. Além do mais, do ponto de vista da física, o frio não existe. O que existe é a ausência de calor. Ou seja... Tecnicamente, você diz gostar de algo inexistente.
Um breve e constrangedor silêncio perdurou durante alguns minutos. Logo depois o Beto, com uma cara repreensiva, pegou suas coisas e foi embora sem se despedir.
Dias depois, quando o Manoel foi procurar o velho amigo para entender o que tinha feito de errado, ouviu dele que sua atitude tinha sido profundamente indelicada: jamais, sob hipótese alguma, se deve retrucar um amigo numa conversa de bar com um argumento científico e/ou filosófico. Além de desleal, tal gesto demonstraria uma profunda falta de respeito à natureza do debate de botequim, cujo objetivo central é, invariavelmente, não chegar a lugar nenhum.
-Perdoaram-se, e marcaram de se reencontrar no bar já no dia seguinte para matar as saudades. Mas, dessa vez, sem ciência envolvida.