quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O Crítico

O Dias era conhecido no trabalho por sua notória coleção de revistas masculinas. Aliás, mais do que isso: ele semanalmente levava ao escritório suas novas aquisições e as “compartilhava” com os colegas, que durante a pausa para o cafezinho literalmente se amontoavam para observar as donzelas em poses sugestivas e reveladoras. Já era um ritual tão tradicional, que tinha vencido a resistência e os protestos das representantes femininas do local, que tinham cansado de afirmar que a alegação dos rapazes da repartição de que “o interesse era apenas nas entrevistas” era falso e pouco convincente, e que aquela imoralidade tinha que acabar. Mas os homens tinham o aval do seu Ari, o chefe, que não só aprovava a iniciativa, como era um dos mais empolgados quando o Dias chegava com as revistas embaixo do braço.

Naquela semana, aliás, o Dias tinha chegado com um sorriso sugestivo no escritório quando trazia as revistas. Aos que notaram a empolgação do colega, ele apenas adiantou que numa das publicações tinha uma loira que, segundo suas palavras, era “teste pra cardíaco”.

Na hora combinada, um batalhão de marmanjos rodeava a mesa do cafezinho, esperando pela “loira do Dias”, inclusive o seu Ari, que de tão empolgado antes de ir ao encontro dos rapazes passou perfume e penteou os bigodes... Nem ele sabia explicar ao certo o porquê. 

Quando o Dias chegou e entregou à revista aos cuidados dos colegas, os comentários empolgados começaram a surgir em profusão.

-Espetáculo! Isso é mulher pra vida toda. – Disse o Ferreira, que invariavelmente fazia sempre a mesma observação todas as semanas.

-Olha esse piercing, olha esse piercing! – Bradou o Inácio num misto de escândalo e empolgação, depois de esfregar os próprios olhos para certificar-se que não estava vendo mais do que havia na foto.

-Loirão... É de babar! – Resumiu o Pedroca, sempre o mais econômico e sutil nas ponderações.

-Se eu pego ela... – Sussurrou o Janjão, enquanto gesticulava vagamente com as mãos, descrevendo para a fértil imaginação dos colegas tudo o que ele faria se tivesse a moça da revista ao alcance.

Mas nem todos pareciam tão fascinados assim. O Vasconcelos, recém chegado no escritório e ainda se acostumando aos hábitos locais, observava as imagens com um interesse diferenciado, mais detalhista, embora aparentemente não muito empolgado. Folheou quatro ou cinco páginas, cuidadosamente antes de sentenciar:

-Que mau gosto. Isso lá são locações pra fotos? Já vi coisa mais interessante em novela mexicana. E que poses são essas? Cadê a estética disso? Horríveis! Vulgar é pouco...

Antes de prosseguir com sua avaliação e discorrer analiticamente sobre o que chamaria de “iluminação desastrosa digna de boate de beira de estrada”, o Vasconcelos percebeu que era encarado sob olhares escandalizados do resto dos colegas. Subitamente se deu conta da mancada. Onde já se viu achar defeito em mulher, ainda mais “com tudo à mostra”? Percebendo o tamanho do risco social que corria, folheou mais algumas páginas e sentenciou com um ar bonachão, um tanto forçado:

-Se bem que... Baita gostosa, hein! Pegava. Pegava de jeito.

A afirmação, mesmo que tardia, tranquilizou um pouco o pessoal, principalmente o Dias, que estava quase ofendido com o senso estético exagerado do novo colega. De tão chocado, ele chegou a cogitar inclusive a hipótese de parar com a sessão de apreciação semanal, mas tamanho foi o apoio moral que recebeu dos amigos do escritório, que resolveu continuar. O seu Ari, um dos mais indignados com o deslize, respirou aliviado, e fez questão de dar uma indireta daquelas no Vasconcelos...

-Abre o olho, rapaz, abre o olho...

E o Vasconcelos ali, encolhido em sua mesa e ainda consternado com a mancada, comentou pra si mesmo:

-Esse bom gosto ainda te mata. Te mata!